segunda-feira, 25 de abril de 2011

A água ameaçadora na cidade de Belém

A água ameaçadora
Belém, a 10ª maior cidade do Brasil, com 1,5 milhão de habitantes, tem 40% da sua área urbana abaixo da cota 4 do nível do mar. Em dois dias, as famosas marés altas de março chegaram a 3,80 metros. Por sorte da capital paraense, nos momentos de água máxima não choveu, o que é raro para esse período. Mesmo assim, grande parte da cidade ficou debaixo d’água.
A coincidência de maré alta e chuva intensa é a maior fonte de preocupação – pânico mesmo – para os belenenses. Qualquer chuva mais forte, mesmo que seja rápida, é suficiente para provocar estragos imediatos e problemas que perdurarão depois que as águas refluírem para seus cursos normais, como as doenças. Condição que se torna mais grave porque Belém é uma das cidades mais sujas do país, tomada pelo lixo.
Sinal de nuvens no ar e os primeiros respingos provocam catarse coletiva. É uma situação inteiramente oposta a uma tradição que caracterizava a vida em Belém do Pará: o acerto das agendas conforme as chuvas. Elas eram regulares e, assim como caíam, saíam, sem maiores estragos. Podia-se marcar encontros seguros para antes e depois delas.
As chuvas não eram um problema público, como hoje se tornaram. Talvez o maior problema de Belém, justamente notabilizada por estar cercada de água por todos os lados, inclusive por cima. É uma das capitais onde mais chove no mundo, com precipitações médias anuais acima de três mil milímetros.
Mas a chuva era bem-recebida. Lavava o chão, limpava o ar, refrescava a cidade de uma canícula desgastante, em virtude da combinação de forte calor com grande umidade. A passagem das chuvas intensas por Belém também era sinal de saúde ecológica, já que metade das precipitações pluviais na Amazônia é contribuição do mar (a outra metade tem origem na evapotranspiração das plantas).
De alguns anos para cá o que era folclore e charme foi se transformando em pesadelo, com inundações cada vez mais periódicas e intensas. O adensamento humano, o crescimento vertical, o aterramento das muitas drenagens na área pantanosa da cidade e algumas outras imprevidências e descasos tornaram o problema tão sério que foi preciso enfrentá-lo com maior decisão e competência.
De 1993 a 2004 o governo do Pará executou em Belém o que o Banco Interamericano de Desenvolvimento classificou de “a maior reforma urbana da América Latina”. Ao custo de 306 milhões de dólares (53,3% dos recursos oriundos do Estado e 46,7% do BID), o Programa de Macrodrenagem das Baixadas promoveria o saneamento básico, a renovação urbana e a promoção sócio-econômica. Beneficiaria 120 mil famílias (ou 600 mil moradores da capital paraense), instalados na maior das várias bacias hidrográficas da área, a do Una, que representa 60% do perímetro metropolitano.
Uma rede composta por 17 canais, seis galerias e duas comportas permitiria a drenagem das águas de inundações, evitaria erosões e assoreamentos, possibilitaria a construção de interceptores de esgotos e avenidas sanitárias correspondentes, conduziria as águas para que elas não causassem danos e retiraria os excessos de água do solo. A cidade estaria preparada para enfrentar o que vai se tornando seu maior pesadelo: as inundações.
Passados sete anos, porém, a situação se tornou mais grave do que a constatada antes da grande reforma urbana, a maior realização da administração do PSDB (que permaneceu no poder por três mandatos consecutivos) em Belém.
Os alagamentos estão se amiudando e se estendendo por novas áreas. Quando das chuvas coincidem com as águas da maré, o efeito é calamitoso: a água transborda dos canais, invadindo as áreas laterais e alcançando locais até então isentos desse problema. Agora, o recuo das águas é mais lento e a submersão de trechos de ruas prolonga-se por dias, ilhando os moradores.
A população, que sofre com cada enchente e enfrenta problemas de saúde que persistem depois da passagem das águas (com doenças como diarréia, esquistossomose, salmonela e leptospirose), tem apontado a causa dos problemas: a descontinuidade nas obras de complemento da macrodrenagem, quando o programa passou da jurisdição do Estado para o município.
Obras pendentes não foram realizadas, deixou de ser feita a dragagem periódica anual e até os equipamentos, maquinários e veículos, no valor de R$ 25 milhões, repassados pelo Estado, deixaram de ser utilizados na área da bacia beneficiada pelo programa. Deixaram até mesmo de ser vistos. Sumiram.
Os esforços realizados pelos líderes dos 20 bairros abrangidos pela macrodrenagem não resultaram em qualquer medida concreta por parte das autoridades. A consequência da omissão pode ser constatada a cada chuvarada que cai sobre Belém. Sem as providências cobradas, a situação tende a piorar.
É um exemplo e uma advertência para as cidades brasileiras localizadas no litoral ou em estuários costeiros, em terrenos baixos, como os de Belém, cuja maior altitude é de 16 metros. O mais grave é a perspectiva de que, por efeito do aquecimento global, o nível do mar venha a se elevar de forma permanente pelos próximos anos.
A ameaça é real e pode vir a ser devastadora, se os prognósticos mais pessimistas (ou realistas) se concretizarem sem que os responsáveis pela segurança desses grandes aglomerados humanos façam o que precisam fazer. E já.

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